O crescimento das favelas nao é "privilégio" de Niterói, é fato no país inteiro. A culpa nao é de quem constrói nas encostas e morros, é de quem nao se lembra que essas pessoas precisam de moradia digna em algum lugar. As solucoes e estudos das ocupacoes existem sim, mas os governos se recusam a implementá-los.
Acabou de aparecer no Jornal Nacional a Regina. Regina Bienenstein, é responsável pelo Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos, da UFF. O NEPHU realiza um trabalho sério e tem o levantamento da situacao de várias ocupacoes em Niterói e no Rio. É um grupo multidisciplinar, com profissionais qualificados, professores e alunos da UFF. Urbanistas, Engenheiros de várias especializacoes, Sociólogos, Assistentes Sociais, Advogados. Todos os levantamentos sao feitos mediante pedido das próprias comunidades, e depois existe o esforco de levar o resultado desses estudos para as autoridades competentes, mostrando a viabilidade dos projetos e seus prováveis resultados. As vezes esses estudos sao levados a sério e os trabalhos sao feitos sob a supervisao do NEPHU e dos moradores locais. Muitas vezes, as autoridades públicas nao querem nem conversar.
Nao raro, a remocao é mais cara do que a recuperacao e urbanizacao de áreas degradadas. Mesmo assim, os governos nao se interessam. Remocao faz estardalhaco na mídia e traz voto da populacao classe média, enquanto a recuperacao do espaco só atinge os favelados da área - provavelmente classificados como votos e seres humanos de segunda classe? Outras vezes existem projetos aprovados, em andamento, mas com a mudanca de governos os novos "encarregados" simplesmente cancelam tudo o que já foi feito, muitas vezes, desperdicando todo o dinheiro já investido na área. Quantas vezes eu tive os meus salários e até vales-tranporte roubados pelos novos ocupantes do governo do estado, da prefeitura...
Morro do Estado, visto pelo Centro de Niterói
Foto do O Globo
Eu trabalhei por 6 anos no NEPHU e tinha muito orgulho do trabalho que fazia. Subi morros incontáveis vezes, de manha, a tarde e a noite, para levantamento das áreas ou reunioes com os moradores, onde tudo o que deveria ser feito era meticulosamente explicado. As reunioes nao terminavam enquanto houvesse alguma dúvida. Qualquer trabalho só é realizado mediante a aprovacao de 100% dos moradores. Difícil? Com certeza. Mas a Regina sempre soube como fazer. Nunca impos solucao alguma para ninguém, nem os moradores sao tratados como retardados sem opiniao. Pelo menos 3 solucoes (viáveis) sao preparadas e apresentadas para discussao com os moradores. Dessas discussoes, nao raro, chegava-se a uma quarta ou quinta alternativa. Na maior parte das vezes custam muito menos do que as pracinhas vagabundas que a prefeitura cisma em construir no meio das comunidades, com fins eleitoreiros. Mesmo assim, as pracinhas sempre foram consideradas prioridade face a solucoes de transformacao urbanistíca, que garantiriam seguranca para toda uma comunidade.
Morador de favela nao é marginal. Sao pessoas que foram transformadas em estatísticas de votos pelos governos, sem direito a uma política habitacional. A culpa nao vem de 20, 30 anos atrás. O problema comecou com o bota-abaixo do Pereira Passos lá no início do séc. XX, e só foi piorando com o tempo. As populacoes sendo sistematicamente expulsas das suas casas, mas sem ter nenhuma alternativa de moradia oferecida. Nem uma linha de crédito, nada. Meia dúzia de conjuntos habitacionais vagabundos, oferecendo espacos sub-humanos, sem um mínimo de dignidade, as pessoas tratadas como gado. Conheci um conjunto habitacional, dentro de uma favela em Jacarepaguá (nome "oficial" Vila Albano, nome conhecido pelos moradores, nem desconfio), onde cada casa era um total de 20m2. No "asfalto" é proibida a construcao de unidades habitacionais menores que 30m2. Por que na favela 20m2 serve?
O que eu sempre me orgulhei no NEPHU é que a universidade trabalha junto com a populacao. Tratando as pessoas como se deve, como seres humanos, respeitando a dignidade de cada um, educando para que possam reivindicar uma vida melhor, para se tornarem cidadaos de fato. As pessoas nao sao jogadas no meio de obras que nao entendem, elas sao educadas e informadas do passo-a-passo, para que elas mesmo decidam o que é melhor na vida e na comunidade delas. Tenho o maior orgulho da Regina, embora ela talvez nao saiba.
Niterói é o berco da Regina (acho) e do NEPHU. Muita tragédia poderia ter sido evitada nessas chuvas se a prefeitura tivesse levado a sério o trabalho feito pela própria UFF, em sua maioria por moradores de Niterói: Gente que tem o maior interesse em transformar nossa cidade no melhor lugar do mundo. Essas solucoes custam pouco, muito pouco. Bem menos do que as propinas que movem as eleicoes, com certeza.
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6 comentários:
Vc mandou isso pra ela? Ela, com certeza, vai gostar de ler! Saudades, amiga
Xii, Gau, nao tenho mais o email dela. Voce manda pra mim? Beijao, minha irma.
Querida, já mandei pra ela e ela já me respondeu dizendo que se emocionou muito e que chegou em ótima hora pq vem recebendo críticas. Que bom que vc escreveu sobre isso. Beijos.
nao sabia que vc tb era de Niteroi?!!? =) nem fala sobre essa tragedia toda...e ate agora o roberto silveira esta la, com cara de bobo. bjs!
Vicky, quanta surpresa lendo aqui no seu blog. Não sei nem se cheguei a responder direito, ando fazendo um curso e meu tempo para manter o blog (que graças a Deus está tendo um retorno gostoso) está curto!
Trabalho em uma prefeitura da Região Metropolitanda de São Paulo, em uma Secretaria de Habitação, como engenheira sou responsável técnica pelos projetos habitacionais de interesse social, e muitas vezes urbanizar é muito mais barato mesmo do que remover, principalmente no nosso caso, que a cidade é super povoada e quase não sobram mais terrenos...
Projetos legais do governo tem, o problema mesmo é conseguir viabilizar tudo, depende bastante também dos politicos e das verbas para recuperar todo o estrago que vem lá da época da colonização - os escravos recem libertos, os imigrantes, que eram os pobres da época sem acesso a terra, a cultura, educação... E o tempo passou, a população se multiplicou e este mal da moradia idem.
O curso que estou fazendo é a distância, promovido pelo ministério das cidades, estou na terceira semana (e juntar trabalho, casa - moro sozinha e um curso puxado não está fácil), mas estou estudando justamente sobre Urbanização de Favelas. E ai, vim retribuir a visita legal e os comentários gentis que você deixou no blog e encontro este texto.
Foi uma coincidência porque bate com o que vivo, trabalho há três anos com isto e estou estudando novas propostas e soluções com professores muito legais. Vou salvar o nome dela e vou me logar no curso novamente entre hoje e amanhã, tenho umas apostilas para ler ainda, antes de entrar no fórum de discussões com participações obrigatórias onde somos avaliados. Vou ver se tem o nome da Regina como uma das professoras, tomara que sim.
Mesmo sendo engenheira, já subi favelas, participo de reuniões e tudo que você descreveu, assino embaixo. Não tenho vinculos politicos, amo o que faço e luto para permanecer num ambiente assim onde muitas vezes só entram apadrinhados. O fato de eu estar lá e poder transformar alguns sonhos em concreto já é uma satisfação imensa.
Tem algumas fotos do meu trabalho:
http://www.flickr.com/photos/carlinha/sets/72157622462336398/
http://www.flickr.com/photos/carlinha/sets/72157600351762265/
Bom, como disse estou com o tempo apertado, então vou indo e já peço desculpas antecipadas se eu sumir, na semana durante o dia não abre blogspot no meu trabalho e deixo tudo para o final de semana ou a noite em casa mesmo.
Ah, sobre os lencinhos, eu uso sim, para limpar o rosto, uso os de bebês, antes de passar meus ácidos para tirar os melasmas, mas tem dias que nem isto eu faço.
Beijinhos!
PS: Érika e Vicky são as mesmas pessoas?
Carla,
rsrsrsrs Nao, eu sou só Vitória, nao conheco a Érika nao.
Mas olha só que mundo pequeno! Eu trabalhei no NEPHU na déc.90, foi o meu primeiro estágio e o meu primeiro emprego. Eu amava o trabalho, mas as vezes tinha que ficar até 6 meses sem salário, quem aguenta? Eu tentei muito ficar na área, me realizava, mas nao tive como, ainda mais que eu trabalhava por projeto, nao tinha vínculo algum e a universidade nao tinha controle sobre meus pagamentos, isso vinha do orgao que contratava nossos servicos. Muita sujeira, tentaram me subornar algumas vezes - os baroes das favelas. Em Niterói os caras todos nos conheciam e trabalhavam junto conosco, mas no Rio, eles achavam que nosso esforco era eleitoreiro. Um saco. Vou adorar conversar mais sobre isso quando voce tiver tempo. Um beijao.
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