Antes de falar de um botequim saudoso e de um garçom porreta, preciso contar algo que ouço há anos de um conhecido meu, que foi vizinho do Gilson Monteiro na Vila Pereira Carneiro. Tem gente que morre de rir quando o sujeito diz que, no sétimo dia, antes de descansar, Deus criou Niterói no minuto seguinte à explosão de átomos de hidrogênio e de hidrovita que deu origem ao Sistema Solar. Pois é, a velha e boa hidrovita que não é mais encontrada na cidade.
O primeiro dinossauro, por exemplo, tinha seu habitat na Engenhoca. Adão e Eva surgiram exatamente naquelas duas prainhas depois de Jurujuba (daí os nomes). E quando rolou a confusão entre Caim e Abel – aquela pancadaria famosa no Caramujo, em que um matou o outro e o outro matou o um –, os filhos deles, netos do primeiro casal, foram morar numas cavernas em Itaipu. Ficaram milênios lá e, falando nisso, nunca viram nenhum índio naquelas imediações.
O cacique Araribóia, que vinha a ser tetraneto do tetraneto do primeiro neanderthal que foi morar longe das cavernas, era mesmo de São Lourenço. O historiador e highlander Emmanuel de Bragança Macedo Soares, que já sabia das coisas na época, é testemunha ocular disso aí.
Pois é. Depois de berço da humanidade, foi também em Niterói que o Brasil começou. Ali na Ponta da Areia, o Barão de Mauá montou seu estaleiro, nossa primeira indústria. Daí não ser nenhum absurdo dizer que o capitalismo brasileiro começou aqui. Não, não, o terreno não era da Patrimóvel.
Para compensar, foi na Rua da Praia (hoje Visconde do Rio Branco) que Astrogildo Pereira fundou o PCB. Ou seja, o comunismo brasileiro também surgiu aqui. Até uma religião afro-brasileira, a umbanda, tem suas origens entre nós, no ano de 1927, de acordo com o eterno professor Darcy Ribeiro.
"E o teatro?", prossegue nosso amigo. "Só se falava o português castiço, o português de Portugal. O ator João Caetano foi o primeiro a falar brasileiro nos palcos". Sabe onde foi isso? No Teatro Municipal João Caetano, um dos mais belos do país, que ficou mais de um século abandonado e teve sua primeira restauração, a cargo do mago Cláudio Valério Teixeira, no governo de Jorge Roberto Silveira. Perguntem ao jornalista e advogado João Luiz Faria Netto, que também ouviu da mesma fonte.
Futebol? Dois anos antes do Charles Miller chegar em São Paulo, os ingleses da Byron já batiam uma bolinha no Rink. E, alguns anos depois, fizeram o Rio Cricket.
Samba? Tudo bem que "Pelo Telefone" foi lançada antes, pela Casa Edison, na Rua do Ouvidor, mas tem um detalhe: "Não era samba. Era maxixe. O samba de verdade, o sincopadinho, foi criado pelo Ismael Silva, que saiu de Jurujuba para o Estácio. Noel Rosa, Geraldo Pereira e Chico Buarque beberam dessa água", acrescenta o vizinho do Gilson, pedindo para eu não esquecer de dizer que Ciro Monteiro, nascido no Rocha, em São Gonçalo, cansou de batucar sua caixinha de fósforos nos bancos do Campo de São Bento.
"Até a musa de Ipanema, Leila Diniz, nasceu em Niterói", lembra. "Virou até nome de rua, em São Francisco. Carioca não tira onda com a gente, malandro!"
E o primeiro grande botequim do Brasil? Hein? Hein? Engana-se quem acha que foi o Bar Luiz, na Rua da Carioca, do outro lado da Poça, ou o Bar Brahma, em São Paulo, na esquina de São João com Ipiranga. Niterói foi pioneira também nisso. E cada geração tem seu templo de esbórnia. O pessoal com mais de 70 anos jura que o primeiro grande bar do país foi o Miramar, que pegou a rebarba do incêndio da estação das Barcas, em 1959 e virou ruína. Já os sessentões mais refinados preferiam o Petit Paris, onde Sergio Mendes começou a carreira.
Aqueles que têm mais de 45 anos, sobretudo os que estudaram na UFF, não hesitam: nunca houve um boteco como o Café e Bar Natal, que foi fechado e demolido há mais de 20 anos para que fosse erguido o Plaza Shopping. A gente gosta do Plaza, mas gostava muito mais do velho Bar Natal, de um espanhol da Galícia, Don Luiz Pardo, o Seu Luiz. Falo do Bar Natal também porque foi lá que conheci um dos melhores garçons de Niterói, o Cândido, já falecido. Magrinho, mulato, gozador, Candinho atendia, praticamente sozinho (o Kojak e o Israel chegaram depois dele), umas 20 mesas ou 30 mesas ocupadas pelos alunos e professores dos cursos da UFF. O ator Tonico Pereira, o cineasta Nelson Pereira dos Santos, a cantora Ithamara Koorax, o professor Marcos Waldemar Reis e um monte de bebuns que depois viraram arquitetos, engenheiros, doutores em Ciências Exatas, jornalistas, cineastas, poetas, advogados, historiadores, antropólogos e até mesmo alguns ilustres vagabundos.
Peço licença para levantar um brinde àquele curioso templo de libações alcoólicas que fechava as portas às 10h30min para que os verdadeiros boêmios enchessem o pote em recinto fechado, sem malas amadores para perturbar.
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6 comentários:
Amo Niterói!
Passei minha infância em São Francisco, boníssimos tempos! :)
Vicky, ao ler seu comentário lá no Leio o Mundo, vi logo que surgiria um texto. Eu conheço pouco de Niterói; só sei descer das barcas e andar pelo calçadão até entrar na UFF (caminho que aprendi à força, devido a um curso feito ali). Fiquei feliz por ter aderido à coletiva. Muito obrigada!
Esta blogagem está nos dando a chance de conhecer o nosso Brasil, tão pouco conhecido por nós brasileiros e também a chance de conhecer novos amigos e isto é muito bom! Beijos e parabéns pelo seu post...ficou ótimo!
Olá!
Também participei da blogagem coletiva. Estou visitando os demais participantes, isso tem sido uma maneira deliciosa de conhecer melhor esse país e outras pessoas.
Agora preciso conhecer Niterói pessoalmente.
Beijos
Ivani
Sem dúvida, a melhor postagem de hoje.
Parabéns. Pelo título, pensei encontrar um texto esnobe e bobo.
Encontrei um texto inteligente e realmente informativo.
Salve Niterói, capital do estado do Rio de Janeiro, antes da criação do estado da Guanabara!!!
Parabéns pra Você.
Luiz Ramos
Olá, eu tb fiz parte desta coletiva e estou terminando de conferir os posts. Parabéns, bela homenagem Niterói.
Abraço
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